Ao imaginarmos o primeiro encontro de Vicente
Pinzón, no Delta do Amazonas, com suas comunidades indígenas, espalhadas
em pequenos aglomerados “casa” semiflutuantes, num rio tão grande e tão
liberto, que parecia não ter margens, forçando o navegador denominá-lo “Mar
Dulce”. A natureza não oferecia nada que pudesse ser levado, pois havia um
elemento que o rio já aceitara como sua parte mais estranha, mas adaptada – o
homem. Talvez por não entender essa
simbiose ele levou algumas dezenas de indígenas para de alguma forma transpor a
margem mítica como símbolo exótico do novo mundo.
Macapá foi construída por homens de três raças (índios, caucasianos e
negros), mas amalgamados por um ente maior que uniu terra e água e edificou uma
cidade do rio e da terra. Se Euclides da Cunha (2004) tivesse conhecido essa
sociedade triétnica dominada pelos “caboclos ribeirinho do delta do Amazonas”
tivesse já aferido sua mais curta e profunda razão sobre a região: viver é
adaptar-se. Mesmo pendular na linha Equinocial há que se corrigir o tempo em
sua assertiva sobre o Caboclo Amazônico: “A impressão dominante que tive, e
talvez correspondente a uma verdade positiva, é esta, o homem, ali, é ainda um
intruso impertinente” (CUNHA, 2004, p.).
Há que se fazer uma justa homenagem a ciência, vivência e experiências
ancestrais dos indígenas berço cultural de nossa gente e força física de
edificações de nossas cidades e economias agroextrativistas. A contribuição
indígeno-cabocla para ocupação e desenvolvimento da Amazônia foi, no entanto,
considerável e sem ela a tarefa de descoberta e exploração teria sido
impossível. Submissos, subordinados, adaptados ou integrados, eles ensinaram
aos novos e imigrantes os segredos
do rio, da terra e da floresta.
(BENCHIMOL, 2009. p. 26)
Temos uma análise um pouco divergente sobre o exílio demográfico da
cidade de Macapá, que de certa forma testemunha a falência dos propósitos
pombalinos em fazer da fortaleza de São José de Macapá a semente fertilizadora
de uma grande cidade às margens do rio Amazonas. A criação do Território e
Estado irão deslocar o comando político do Estado do Pará para a cidade de
Macapá. Assim, de uma arquitetura e marcas urbanas palimpsestas, a cidade passa
a “governar” sua própria relação
cultura e urbana
com o rio.
No período do auge do ciclo da borracha, precisamente entre 1790, quando
houve um censo da população de Macapá, a população registrada nesse censo foi
da ordem de 2.532 habitantes. Fato destacável é que mesmo no período da
extração da borracha, Macapá vive um apagão demográfico, quando houve um
incremento de apenas 18 habitantes num período de 29 anos. De 1820 a 1940, ou
seja, passados 120 anos, a população de Macapá somente chegou a um total de
10.601 habitantes e um crescimento de 67 habitantes/ano.
Gráfico 01 – Disposição temporal do crescimento populacional da cidade
de Macapá e principais eventos econômicos e administrativos.
A força dos agentes transformadores nas relações rio-cidade-sociedade
evoluíram de um contexto local geopolítico a partir da construção da Fortaleza
São José de Macapá, criação do TFA em 1943 e transformação deste em Estado em
1988 até a instalação da Área de Livre Comércio de Macapá e Santana em 1991 e
Implantação da Zona Franca Verde e Complexo Agrologístico do Porto de Santana,
em 2016. Então, depreende-se que mudanças mais profundas estão por vir.
Foto - Edificações de
Palafitas no Bairro Matapi Mirim, Cidade de Santana (AP), rio Amazonas
A força da importância do rio sobre a vida da sociedade triétnica e suas
economias locais e regionais é de tamanha dependência com o Amazonas que os
“amazônicos” passaram construir suas hidrocidades incorporando o próprio barco
ou montaria à natureza arquitetônica e paisagística de sua habitação. A
arquitetura de palafitas sobre o espelho d’água do rio, aos olhos do imigrante
ou turista, pode parecer algo agressivo e descolado da natureza
hidrofitomorfológica do Delta Amazônico, mas é exatamente esse grau de
perfeição que sustenta essa relação homem, trabalho e natureza em harmonia há
mais de três séculos. Tudo onde o rio e as diferentes simbologias definem a imagética
da paisagem das cidades amazônicas. É fato, o rio é o senhor da vida nesse
lugar. Como notabilizou Leandro Tocantins aqui “o rio comanda a vida”.
(Resumo do Artigo Macapá: o
rio comanda a vida publicado no IV Seminário
Internacional A Língua que Habitamos – AEAULP/2017)
Doutor em História e Teoria da Arquitetura e Professor Associado
III da Universidade Federal do Amapá. Brasil
Geólogo e Advogado
Mestrando do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional da
Universidade Federal do Amapá. Brasil
E-mail: feijãoamazonia@gmail.com
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