Olimpio Guarany
O desastre aconteceu no Amapá, mas o processo corre na
justiça do Rio de Janeiro.
Era 28 de março de 2013 quando se ouviu um estrondo, um
caminhão guindaste sendo engolido pelo rio Amazonas e em seguida uma grande
faixa do barranco deslizou rio abaixo, barcos afundaram e seis pessoas
desapareceram. Teria sido um acidente natural? Foi imperícia? Imprudência?
Excesso de peso em cima de uma estrutura de solo frágil?
No primeiro momento representantes da Anglo Ferrous afirmaram ao G1
que "a causa
foi uma onda gigante que se formou no Rio Amazonas. A força da água
teria destruído tudo”. No mesmo dia já havia controvérsia. O meteorologista
Jefferson Vilhena disse que "a causa poderia ser outra, um deslocamento
de terra provocado pelo excesso de peso”
Parece uma brincadeira de bandeirinha na escola, mas não é.
Há um embate em que de um lado a defesa da Anglo Ferrous tenta provar que a
empresa não teve culpa e de outro a acusação afirma que sim, ela é responsável.
Nesse puxa-encole já se vão quase quatro anos e não se chegou a uma conclusão.
O que não dá para aceitar é mais um lance de espoliação do Amapá.
Imagine quanto vale um porto com saída para navegação de
longo curso, interligando uma bacia de mais de 19 mil quilômetros rios
navegáveis para transporte de carga? Eu diria inestimável. Considere ainda que
este porto está ligado a uma ferrovia que pode ser multifuncional. Tanto serve
para transportar minério por 200 km, madeira por 150 km , soja por 100 km,
pessoas e outros produtos de diversas localidades. Uma ferrovia estimada em R$
220 milhões. Considere que, na região, existe uma estimativa de 180 milhões de
toneladas de minério de ferro e outros passíveis de exploração. Agora pense no
pior: tudo isso está resumido num imbróglio, onde seis vidas foram ceifadas,
trabalhadores ficaram sem receber, fornecedores falidos e a Anglo Ferrous
querendo posar de inocente?
Não pretendo enfiar a faca no pescoço da Anglo e condena-la
de bate pronto, afinal este assunto é para a justiça decidir, mas como
jornalista preciso tirar a pulga que está atrás da minha orelha. Andei colhendo
informações seguras e constatei que a ICOMI- construtora do porto - levou 43
anos embarcando cerca de 35 milhões de toneladas de manganês, retiradas do
subsolo amapaense. Apurei que, em apenas 4 anos e meio, a Anglo exportou 18
milhões de toneladas de minério. Só em 2012 exportou 5,9 milhões de toneladas,
isso quer dizer que, caso continuasse as atividades, em 8 anos a Anglo
retiraria o que a Icomi levou quase meio século para fazê-lo. Ainda teriam
estocados no porto de Santana minérios no valor de US$ 110 milhões. Tomando
isso como base, dá para admitir que a pressão sobre o porto foi muito forte, no
período em que Anglo o explorava. Esse é outro assunto para especialista em
perícia, todavia precisamos encontrar o “X” da questão. Vamos lá. A Anglo quer
receber o resseguro de R$ 560 milhões, se considerada inocente, entretanto se
for constatado que ocorreu imperícia, ou seja, houve excesso de peso sobre o
solo do porto
com estocagem de minério, por exemplo, aí a Anglo poderá arcar com os
prejuízos.
Huuum, então é por isso que Anglo mobilizou “engenheiros
especialistas”, os mesmos que fizeram o laudo pericial, para debater assunto em
evento justamente no Dia do Meio Ambiente, para tentar provar que não tiveram
culpa? Os ingleses nunca meteram prego sem estopa, vide a histórica exploração
de terras além mar, colonizadas por eles, em séculos passados.
Uma coisa é certa: esse episódio, além do sinistro com 6 pessoas,
causou danos econômicos irreparáveis ao estado; muitos desempregos gerados e a
ferrovia, um patrimônio público, saqueada.
Do meu ponto de vista a empresa quer se eximir da
responsabilidade que a justiça pode lhe impor por não fazer o indispensável monitoramento
do porto. Se a Anglo tivesse feito o
dever de casa, certamente não estaríamos lamentando tal fato.
O Amapá não suporta mais ser dilapidado ou, numa linguagem
caseira, "não pode ser passado para
trás,” enquanto inescrupulosos levam as riquezas, os bônus e o povo a pobreza e
o ônus.
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Olimpio Guarany é jornalista, economista e professor
universitário
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